11 abril 2007

 

Diga-me como andas e te direi quem és


Achei esta coluna interessante sobre viagens e vou postar.


Diga-me como andas e te direi quem és.

Por Domenico de Masi

Durante uma viagem que fiz recentemente à China, mostraram-me mais uma daquelas inúmeras novidades tecnológicas: um par de sapatos com um "navegador" automático. Quem calçar os sapatos pode digitar no mostrador o endereço para onde quer ir. Daquele momento em diante, os sapatos se encarregarão de guiá-lo. Caso deva virar à direita, sentirá um beliscão no direito. Se tiver de virar à esquerda, sentirá um beliscão no esquerdo. Se for para seguir em frente, haverá um sinal no calcanhar. Esses sapatos eletrônicos podem permitir que as pessoas viajem de uma nova maneira.

Afinal, para o homem moderno, quase tudo depende do meio de transporte. O trem e o avião seguem itinerários previsíveis porque preestabelecidos, que vão de ponto a ponto, sem interrupção. Quem viaja de trem ou de avião está entregue aos trilhos ou ao piloto. Não pode parar onde e quando quiser. Não pode acelerar ou desacelerar. Pode apenas escolher onde desembarcar. Sua viagem segue uma linha reta, racional e objetiva. quem viaja de automóvel é dono de sua viagem: partir e chegar quando quiser. Pode parar onde bem lhe apetecer, mudar de idéia e itinerário. Pode passear sem rumo fixo, procurando novos destinos e novas sensações.

A viagem de trem e de avião, por um lado, e a de automóvel, por outro, correspondem não apenas a duas formas diferentes de viajar, mas também a duas formas distintas de pensar, catalogadas na Antiguidade. No Egito, onde o Nilo corre diretamente da fonte à foz, foi aperfeiçoado o pensamento simples e linear, aquele que, mais tarde, os gregos chamaram de tesis e que simbolizaram com um flecha disparada pelo arco. Na Mesopotâmia, por sua vez, onde dois rios e numerosos riachos formam um labirinto natural, foi aperfeiçoado o pensamento complexo e tortuoso, aquele que os gregos chamaram de metis e que simbolizaram com uma serpente que se desloca sinuosamente. A tesis é rígida, a metis flexível.

O conceito de tesis se relaciona a quem viaja de trem ou de avião, enquanto o conceito de metis se relaciona com o motorista, que pode mudar seu itinerário a qualquer hora que quiser. Quem possui metis dispõe de uma capacidade mental flexível a ponto de poder abrir a mente e curvá-la em todas as direções. Quem prefere o automóvel ao trem ou ao avião não se dispõe a submeter-se a uma forma única e fixa de viagem. Prefere a autonomia, o múltiplo e o polivalente. Sob esse perfil, o motorista pertence à mesma categoria dos caçadores, pescadores, estrategistas e navegadores.

Viajar de trem ou de avião é ser pontual, direto, unívoco e unidirecional, enquanto o viajar de carro é curvo, flexível, dúctil, condescendente, tortuoso e multidirecional. Aos que viajam de trem ou de avião, basta abandonar-se às mãos dos ferroviários e pilotos. Os que viajam de carro são empreendedores. Possuem coragem e perícia, quando não astúcia. No trem ou no avião, podem-se relaxar tranqüilamente o corpo e a mente. quem viaja de carro precisa manter a mente desperta e o corpo alerta, porque a máquina corre e nós a dirigimos. Podemos diminuir a velocidade, parar, partir de novo. Depende se gostamos da paisagem, se queremos ficar diante de um monumento, evitar uma lembrança desagradável, escutar uma canção ou conversar com quem nos faz companhia na viagem.

Fonte: Revista Época nº 460, 12/03/2007.


This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Counter Stats
skinceuticals
skinceuticals Counter