04 maio 2007

 

Os inimigos do ócio

Os inimigos do ócio

Por Domenico de Masi

De acordo com a mentalidade corrente, encorajada pela competitividade, o tempo livre e sua versão desprestigiada, o ócio, são aceitos apenas em baixíssimas doses, além de serem observados com desconfiança. Desastres como aqueles da Enron e da Parmalat, porém, foram provocados por empresários e executivos muito atarefados.

A sociedade industrial admite a folga do trabalho somente se ela objetiva três metas: recuperar a energia para voltar ao trabalho depois; procriar e educar a prole (vem daí a palavraproletariado”) para fornecer novas levas de trabalhadores às fábricas e ao Exército; freqüentar as celebrações religiosas no Dia do Senhor.

É como escreveu o filósofo Bertrand Russel: “A idéia de que os pobres possam estar ociosos sempre contrariou os ricos“. No passado, os empresários queriam que os trabalhadores ficassem em casa e fossem à igreja aos domingos. Os bares, a estrada, as reuniões alegres eram considerados antecâmaras da licenciosidade nesta vida, e do inferno na próxima. Nesse contexto, Henry Ford organizou uma densa rede de inspetores e atribuiu-lhes a tarefa de controlar os hábitos de seus operáriossobretudo daqueles que eram solteirosdurante o fim de semana.

Depois foi o próprio Henry Ford que compreendeu que um trabalhador centrado em fábrica, casa e igreja era útil apenas como produtor, mas inútil como consumidor. Foi assim que se iniciou, no Ocidente, a alienação total de nossa vida, constrangida a dividir-se entre o frenesi da produtividade durante o trabalho e o frenesi do consumismo durante a folga. No Oriente, as coisas não caminham para uma situação melhor. No passado, a cultura oriental elevava o ócio ao nível de arte. Mas, hoje, a adesão ao modelo americano se difundiu até alcançar o Japão; depois o vírus da hiperatividade industrial se alastrou para a China e a Índia.

As principais acusações que os bem pensantes formulam contra o ócio são, pelo menos, seis. A primeira consiste no senso de tédio e de vazio provocado pela disponibilidade do tempo livre. Esse tédio e senso de vazio que o ocioso sentiria acabaria por conduzi-lo ao álcool. À droga e a atos de violência, como estupros e vandalismo.

A segunda acusação no ócio uma atitude que acabaria por destruir a comunidade por meio da difusão do individualismo anárquico e egoísta.

A terceira acusação credita aos ociosos as crises econômicas e as quedas na Bolsa. Se o balanço mostra que o haver está no passivo, se as empresas estão falindo se os serviços públicos estão às moscas, a culpa é toda dos ociosos vagabundos e dos sindicatos que os defendem.

A quarta acusação teme que a expansão do tempo livre e do ócio possa provocar uma guerra entre os vadios e os laboriosos, com uma conseqüente possível instauração de regimes totalitários.

A quinta acusação na propensão ao tempo livre uma perigosa tendência à preguiça, à degeneração dos costumes, à crise da civilização. Mais ainda, na preguiça um defeito congênito dos países quentes, dos povos mediterrâneos, africanos e sul-americanos, incivilizados por definição e, portanto, condenados a uma miséria culpabilizada.

Finalmente, a sexta acusação é de ordem religiosa, pois o trabalho é um castigo divino imposto ao homem como expiação do pecado original. Como o ócio impede essa expiação, alimenta novos pecados.

Como se defender dos detratores do ócio? Contra eles funcionam as armas da sabedoria e da ironia. E, por ironia do destino, atualmente a relação das classes sociais com o ócio se inverteu. No passado, as pessoas comuns eram educadas para amar o trabalho e eram constrangidas a evitar o ócio, enquanto os aristocratas se dedicavam a ele tranqüilamente. No presente, são os ricossobretudo os empreendedores e os executivosque se esfalfam 12 horas por dia, mesmo nos feriados, enquanto os operários trabalham apenas 8 horas por dia e não mais que 5 dias por semana.

Fonte: Revista Época nº 443, 13/11/2006

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